sábado, 14 de maio de 2011

Moacir Gadotti sobre Paulo Freire-I

A PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE E O PROCESSO DE
DEMOCRATIZAÇÃO NO BRASIL
Alguns aspectos da sua teoria, método e práxis
Moacir Gadotti (*)
Paulo Freire não gostava de rotular as pedagogias, mas, desde que introduziu a
tese de que existe uma educação como prática da domesticação e uma educação como
prática da liberdade, podemos dizer que existe uma pedagogia dogmática, por
conseguinte, domesticadora, e, uma pedagogia dialética, crítica, interrogativa. Ele foi
um crítico da educação do seu tempo. Sua “pedagogia do oprimido” insere-se no grande
movimento da “pedagogia crítica”, também chamada de “radical” ou “revolucionária”,
dependendo do contexto.
Para nós, Paulo Freire continua sendo a grande referência da educação
emancipadora. Ele pode ser comparado a muitos educadores do século XX, mas
ninguém, melhor do que ele, formulou uma pedagogia dos silenciados e da
responsabilidade social, dos oprimidos e também dos não oprimidos, mas que estão
comprometidos com eles e com eles lutam, como afirma na dedicatória do seu livro
mais conhecido, Pedagogia do oprimido. Colocar Paulo Freire no passado, é não querer
mexer na cultura opressiva de ontem e de hoje que ele denunciava.
Muitos educadores, reunidos em “Círculos de Cultura”, em Porto Alegre (Sul do
Brasil), de 25 a 30 de janeiro de 2001, durante o Fórum Social Mundial, com razão
referiam-se a Freire como o educador mais coerente do século XX, cujas lições deverão
continuar válidas por muito tempo. Eles lançaram um “Manifesto” que onde eles
reconhecem a atualidade do pensamento de Paulo Freire: “No século que findou, dois
projetos de sociedade fracassaram relativamente ao processo civilizatório: um porque
privilegiou o eu, eliminando o nós; o outro porque privilegiou o nós, desconsiderando o
eu. Neste novo século, confrontam-se dois projetos antagônicos de sociedade: um
subordina o social ao econômico e ao império do mercado; outro prioriza o social. Fazse
necessário construir um projeto de sociedade onde o ser humano seja resgatado na
sua plenitude de eu e nós, com base na prioridade do social sobre o econômico. Para que
este novo mundo seja possível, é necessário que toda a humanidade entenda e aceite a
educação transformadora como pré-condição. Esta educação tem como pressuposto o
(*) Moacir Gadotti, doutor em Ciências da Educação pela Universidade de Genebra (Suíça), é professor
titular da Universidade de São Paulo e Diretor do Instituto Paulo Freire, em São Paulo (Brasil). Escreveu
grande número de obras traduzidas em diversas línguas, entre elas: Reading Paulo Freire: His Life and
Work (Albany: State University of New York Press, 1994), Pedagogy of Praxis: A Dialectical Philosophy
of Education, prefaciada por Paulo Freire (Albany: State University of New York Press, 1996) History of
Pedagogical Ideas (Mexico, Siglo XXI, 2000), Pedagogy of the Earth (Mexico, Siglo XXI, 2002), Paulo
Freire: A Biobibliography (São Paulo, Editora Cortez, 1996). Com mais de 780 páginas, esse livro é a
obra mais completa sobre Paulo Freire.
1
princípio de que ninguém ensina nada a ninguém e que todos aprendem em comunhão,
a partir da leitura coletiva do mundo”.
Não se pode entender o pensamento pedagógico de Paulo Freire descolado de
um projeto social e político. Por isso, não se pode “ser freireano” apenas cultivando suas
idéias. Isso exige, sobretudo, comprometer-se com a construção de um “outro mundo
possível”. Como dizia ele: “mundo não é; o mundo está sendo”1. Sua pedagogia crítica,
como “pedagogia sem fronteiras” é um convite para transformá-lo.
Paulo Freire colocou o oprimido no palco da história, pelo seu engajamento
político e pela sua teoria como contra-narrativa ao discurso dos poderosos e
privilegiados. Ela valorizava, além do saber científico elaborado, também o saber
primeiro, o saber cotidiano. Cuidar das pequenas coisas do dia-a-dia e pensar na
cidadania planetária, unindo o local e o global. Sustentava que o aluno não registra em
separado as significações instrutivas das significações educativas e cotidianas. Ao
incorporar conhecimento, ele/ela incorpora outras significações, tais como: como
conhecer, como se produz e como a sociedade utiliza o conhecimento... enfim, o saber
cotidiano do seu grupo social.
Uma noção do seu construtivismo que ele desenvolveu e que a distinguia de toda
a conotação neoliberal, era a noção de qualidade. Quando estava à frente da Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo ele nos falava de uma “nova qualidade”2. A
qualidade não está separada da quantidade. A qualidade em educação significa todos
(quantidade) terem acesso ao conhecimento e a relações sociais e humanas renovadas.
Qualidade é empenho ético, alegria de aprender. Para o pensamento neoliberal, a
qualidade se confunde com a competitividade. O neoliberais negam a necessidade da
solidariedade. Contudo, as pessoas não são competentes porque são competitivas, mas
porque sabem enfrentar seus problemas cotidianos junto com os outros, não
individualmente.
Uma outra contribuição de Freire à história das idéias pedagógicas é a sua
concepção de currículo. Não se pode entender a pedagogia de Freire sem entender os
conceitos de transdisciplinaridade, transcurricularidade, interculturalidade3. A inter e a
transdisciplinaridade freireanas não são apenas um método pedagógico ou uma atitude
no ato de ensinar e de aprender. Elas se constituem numa verdadeira exigência da
própria natureza do ato pedagógico. Paulo Freire, na prática, sabia trabalhar com várias
disciplinas ao mesmo tempo: a etnografia, a teoria literária, a filosofia, a política, a
economia, a sociologia, etc. Trabalhava mais com teorias do que com disciplinas ou
currículos. Para o ato pedagógico concorrem muitas ciências. Paulo Freire trabalhava ao
mesmo tempo também com várias perspectivas teóricas: a do militante político, a do
filósofo da libertação, do cientista, do intelectual, do revolucionário, etc.
Para mostrar a contribuição de Paulo Freire à pedagogia crítica e ao processo de
democratização no Brasil, gostaria de destacar, inicialmente, alguns aspectos da sua
teoria do conhecimento, do seu conhecido “método” e da sua práxis, isto é, o que
permanece ainda vivo, não conjuntural, mas estrutural na pedagogia universal ainda
hoje.
1. Uma releitura do “Método Paulo Freire”
1 Paulo Freire, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Cortez,
1997, p. 86.
2 Maria Pilar O’Cadiz, Pia Lindquist Wong and Carlos Alberto Torres, Education and Democracy: Paulo
Freire, Social Movements and Educational Reform in São Paulo. Westview, 1998.
3 See Luiza Cortesão, Ser professor: um ofício em risco de extinção. São Paulo: Cortez e Institituto Paulo
Freire, 2002.
2
A sociedade brasileira e latino-americana da década de 60 pode ser considerada
como o grande laboratório onde se forjou aquilo que ficou conhecido como o "Método
Paulo Freire". A situação de intensa mobilização política desse período teve uma
importância fundamental na consolidação do pensamento de Paulo Freire, cujas origens
remontam à década de 50. O momento histórico que Paulo Freire viveu no Chile foi
fundamental para explicar a consolidação da sua obra, iniciada no Brasil. Essa
experiência foi fundamental para a formação do seu pensamento político-pedagógico.
No Chile, ele encontrou um espaço político, social e educativo muito dinâmico, rico e
desafiante, permitindo-lhe reestudar seu método em outro contexto, avaliá-lo na prática
e sistematizá-lo teoricamente.
Nos anos 50 e 60, numa época em que a esquerda latino-americana não
acreditava muito na democracia, Paulo Freire sempre falava da importância da
democracia no processo de libertação. Não apenas de democracia mas também de
cidadania, da importância da inclusão dos diferentes a começar pelos mais pobres. Não
se pode falar de democracia sem falar de cidadania, de inclusão. Paulo Freire foi um dos
primeiros a defender a multiculturalidade como forma de inclusão.
Não se pode afirmar que a pedagogia de Paulo Freire influenciou o processo de
democratização no Brasil e na América Latina sem afirmar, também, dialeticamente,
que o processo de democratização da região teve uma importância capital na elaboração
do seu pensamento.
A Pedagogia do Oprimido foi escrita há 35 anos atrás e a Educação Popular,
marcada por essa obra, continua sendo um grande referencial para a educação latinoamericana.
É um marco teórico que continua inspirando numerosas experiências, já não
apenas na América Latina, mas no mundo. Não apenas nos países do chamado
“Terceiro Mundo”, mas também nos países com alto desenvolvimento tecnológico e em
realidades muito distintas.
Paulo Freire é tributário desse movimento no qual ele está inserido e ao qual,
também, deu uma enorme contribuição. A educação popular tem passado por vários
momentos. É um movimento dinâmico e alimentado por inúmeras visões, formando um
imenso mosaico. Nem todas essas visões se identificam com o pensamento de Paulo
Freire, mas muitas se referem a ele, passando do otimismo guerreiro da campanha de
alfabetização da Nicarágua, pelas escolas comunitárias de cunho não-formal, às
experiências estatais de educação, todos se reportando ao paradigma teórico de Paulo
Freire.
Não há dúvida de que a obra de Paulo Freire deverá continuar se desenvolvendo
em múltiplas direções, talvez até inconciliáveis. Ele não poderá ter o controle sobre isso
e ser responsável pelo que será feito de sua obra, como Marx não é responsável pelo
marxismo ou por tudo o que se fez em nome dele. E as críticas, positivas e negativas,
também deverão continuar.
Na constituição do seu método pedagógico, Paulo Freire fundamentava-se nas
ciências da educação, principalmente na psicologia e na sociologia. A sua teoria
interdisciplinar da codificação e da de-codificação das palavras e temas geradores,
caminhou passo a passo com o desenvolvimento da pesquisa participante e das
ciências sociais.
O que chamou a atenção dos educadores e políticos dos anos 60 foi o fato de que
o método Paulo Freire “acelerava” o processo de alfabetização de adultos. Ele não
estava aplicando ao adulto alfabetizando o mesmo método de alfabetização aplicado às
crianças, como era costume na época. É verdade, outros já estavam pensando da mesma
forma. Todavia, foi ele o primeiro a sistematizar e experimentar um método
inteiramente criado para a educação de adultos.
3
De maneira esquemática, podemos dizer que o “Método Paulo Freire” consiste
de três momentos dialética e interdisciplinarmente entrelaçados:
a) A investigação temática, pela qual aluno e professor buscam, no universo
vocabular do aluno e da sociedade onde ele vive, as palavras e temas centrais de sua
biografia. Esta é a etapa da descoberta do universo vocabular, em que são levantadas
palavras e temas geradores relacionados com a vida cotidiana dos alfabetizandos e do
grupo social a que eles pertencem. Essas palavras geradoras são selecionadas em função
da riqueza silábica, do valor fonético e principalmente em função do significado social
para o grupo. A descoberta desse universo vocabular pode ser efetuada através de
encontros informais com os moradores do lugar em que se vai trabalhar, convivendo
com eles, sentido suas preocupações e captando elementos de sua cultura.
b) A tematização, pela qual professor e aluno codificam e decodificam esses
temas. Nesse momento, ambos buscam o seu significado social, tomando assim
consciência do mundo vivido. Descobrem-se assim novos temas geradores, relacionados
com os que foram inicialmente levantados. É nesta fase que são elaboradas as fichas
para a decomposição das famílias fonéticas, dando subsídios para a leitura e a escrita.
Mais tarde Paulo Freire diria que a “silabação” não seria a única técnica a ser usada
nesta fase e que poderia ser substituída por outras descobertas mais recentes da teoria do
currículo.
c) A problematização, na qual eles buscam superar uma primeira visão mágica
por uma visão crítica, partindo para a transformação do contexto vivido. Nesta ida e
vinda do concreto para o abstrato e do abstrato para o concreto, volta-se ao concreto
problematizando-o. Descobrem-se, assim, limites e possibilidades existenciais concretas
captadas na primeira etapa. Evidencia-se a necessidade de uma ação concreta, cultural,
política, social, visando à superação de situações-limite, isto é, de obstáculos ao
processo de hominização. A realidade opressiva é experimentada como um processo
passível de superação. A educação para a libertação deve desembocar na práxis
transformadora. O objetivo final do método é a conscientização.
Paulo Freire não ficou nessas primeiras intuições sobre o método. Ao longo de
sua vida desenvolveu-o mesmo não querendo ficar conhecido como um educador que
havia criado um método. Ele não queria que sua teoria do conhecimento fosse reduzida
a uma pura metodologia. Por isso não se pode destacar os passos do seu método sem
entendê-los no contexto de sua epistemologia. Insisto ainda nesse ponto porque existem
muitas leituras de Freire nas quais ele mesmo não se reconhecia, quer sejam leituras
políticamente dogmáticas, sectárias, quer sejam leituras pouco científicas e
epistemologicamente pouco rigorosas.
Tentando fazer uma releitura da obra de Paulo Freire, quais seriam, então, esses
novos “passos” do seu Método? Gostaria de chamar a atenção para, pelo menos, quatro
momentos inseparáveis:
1º - Ler o mundo. Paulo Freire insistiu a vida toda nesse conceito chave do seu
pensamento. O primeiro passo do seu método de apropriação do conhecimento é a
leitura do mundo. Aqui deve-se destacar a curiosidade como precondição do
conhecimento (“interesse”, para Habermas). É o aprendiz que conhece. Palavras
geradoras, temas geradores, complexos temáticos, codificação, decodificação. No final
do seu último livro (Pedagogia da autonomia) Paulo Freire insistia ainda na autonomia
do aluno. Dos seus primeiros aos últimos escritos, ele procurou dar dignidade ao
aprendente, respeitando a identidade do aluno. Ele não humilhava ninguém, não
considerava o educador superior ao educando. Para ele jamais um educador poderia ser
arrogante. Nada menos freireano do que um educador arrogante, prepotente. Ele tinha
4
raiva de intelectuais arrogantes, sobretudo de esquerda. Dizia que fazia parte da lógica
da direita o intelectual ser arrogante, mas na esquerda era uma deformação.
2º Compartilhar a leitura do mundo lido. Não posso saber se minha leitura de
mundo está correta, a não ser que a compare com a leitura do mundo de outras pessoas.
O diálogo não é apenas uma estratégia pedagógica. É um critério de verdade. A
veracidade do meu ponto de vista, do meu olhar, depende do olhar do outro, da
comunicação, da intercomunicação. Só o olhar do outro pode dar veracidade ao meu
olhar. O diálogo com o outro não exclui o conflito. A verdade não nasce da
conformação do meu olhar com o olhar do outro. Nasce do diálogo-conflito com o olhar
do outro. O confronto de olhares é necessário para se chegar à verdade comum. Caso
contrário, a verdade a que se chega é ingênua, acrítica. O outro sempre está presente na
busca da verdade. Esse segundo passo leva à solidariedade. O meu conhecimento só é
válido quando eu o compartilho com alguém. Novamente a comparação com o
pensamento de Habermas, que Paulo Freire tanto admirava: a ação comunicativa é parte
da busca do conhecimento. Não é apenas um ato generoso de compreensão humana do
outro. É uma necessidade ontológica e epistemológica.
3º A Educação como ato de produção e de reconstrução do saber. Conhecer
não é acumular conhecimentos, informações ou dados. Conhecer implica mudança de
atitudes, saber pensar e não apenas assimilar conteúdos escolares do saber chamado
“universal”. Conhecer é estabelecer relações, dizia Piaget e Paulo Freire completava:
saber é criar vínculos. O conteúdo torna-se forma. Paulo Freire foi combatido pelos
conteudistas iluministas porque eles não chegaram a entender que, em educação, a
forma é o conteúdo. Saber em educação é mudar de forma, criar a forma, formar-se.
Educar-se é formar-se. Só muito recentemente os pedagogistas conseguiram entender
essa nova visão da educação quando discutiram a educação do futuro (educação
permanente), como no caso do Relatório Jacques Delors da UNESCO4 onde ela está
associada a quatro grandes pilares: aprender a aprender, aprender a fazer, aprender
a viver juntos, aprender a ser. Os especialistas em educação recoheceram que educar é
criar vínculos e não decorar conteúdos. É claro, Paulo Freire, se estivesse vivo, não
ficaria apenas nesses quatro pilares. Ele acrescentaria pelo menos mais um: “aprender
por que, para quê”. Ele se antecipou pelo menos 50 anos com o seu “Círculo de
Cultura”, criando uma metodologia prática que oferece as bases para a construção
desses pilares, rompendo com a noção clássica de “aula” confinada entre quatro
paredes. Ele não chamou de “circulo da educação”, “círculo educativo” ou “círculo de
estudos”, porque queria realçar o caráter cultural e antropológico do seu método. A
educação, para ele, não podia estar separada da cultura. Ele fazia educação pela cultura,
através dela, com ela.
4º A Educação como prática da liberdade (libertação). Até aqui creio que o
construtivismo de Piaget também iria. Mas o construtivismo crítico de Paulo Freire foi
além, afirmando a politicidade do conhecimento. É o momento da problematização, da
existência pessoal e da sociedade, do futuro (utopia). Educação não é só ciência: é arte e
práxis, ação-reflexão, conscientização e projeto. Como projeto a educação precisa
reinstalar a esperança. Nada mais atual do que esse pensamento, numa época em que
muitos educadores vivem alimentados mais pelo desencanto5 do que de esperança.
4 Jacques Delors (org.), Educação: um tesouro a descobrir – Relatório para a UNESCO da Comissão
Internacional sobre Educação para o Século XXI. São Paulo, Cortez, 1998.
5 Ver pesquisa sobre saúde dos trabalhadores em educação da CNTE (Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação), Educação: carinho e trabalho – Burnout, a síndrome da desistência do
educador, que pode levar à falência da educação. Brasília, CNTE, 1999. Essa pesquisa foi o mais amplo
levantamento já realizado a respeito da educação em todo o mundo. Durante dois anos foram
entrevistados 52 mil professores e funcionários de escola em 1.440 unidades das redes públicas estaduais,
5
Não é fácil entender o pensamento de Paulo Freire. Ele não pode ser lido como
qualquer outra literatura pedagógica, pois ele não queria escrever textos técnicos de
pedagogia. Os textos de Paulo são também textos literários e devem ser lidos também
como textos literários. Paulo fora professor de português na juventude e continuou
durante toda a vida a apresentar seus textos de forma literária. Ele deu o manuscrito de
seu último livro Pedagogia da autonomia para Ângela Antunes, diretora pedagógica do
Instituto Paulo Freire, em São Paulo, para uma revisão e introdução de títulos e
intertítulos ao seu texto original, antes de ser enviado para a publicação. Ângela,
professora de português, fez sugestões também de estilo. Por mais que ela argumentasse
com Paulo em favor de algumas mudanças literárias, na discussão final do texto, ele, em
vários momentos, manteve sua primeira redação. Sua primeira redação era definitiva,
mesmo que “inacabada”, dizia ele. Ela era a expressão daquele momento; não era
apenas científica, mas era também poética, literária.
2. Intuições originais de Paulo Freire
A obra de Paulo Freire tem sido reconhecida mundialmente não apenas como
uma resposta a problemas brasileiros do passado ou do presente, mas como uma
contribuição original e destacada da América Latina à democracia e ao pensamento
pedagógico universal. Não se pode dizer que seu pensamento responda apenas à questão
da educação de adultos ou à problemática do chamado “Terceiro Mundo”. Ele deve ser
lido dentro do contexto da “natureza profundamente radical de sua teoria e prática anticolonial
e de seu discurso pós-colonial”, como no diz Henry Giroux6 .
Creio que a validade universal da teoria e da práxis de Paulo Freire está ligada
sobretudo a quatro intuições originais, como podemos observar na obra de Carlos
Alberto Torres, especialmente em seu livro Pedagogia da luta: da pedagogia do
oprimido a escola pública popular7:
1ª - Ênfase nas condições gnosiológicas da prática educativa. Toda obra de
Paulo Freire está permeada pela idéia de que educar é conhecer, é ler o mundo, para
poder transformá-lo. Ele destacou, desde o início, a importância das metodologias, o
que é muito atual. Foi acusado de não dar valor aos conteúdos e, por isso, de ser
espontaneista e não-diretivo. Na verdade ele não foi nada disso: seu pensamento estava
fortemente orientado por um projeto político-pedagógico cujo conteúdo era a libertação.
As críticas de espontaneísmo e de não-diretividade não procedem.
2ª Defesa da educação como ato dialógico e, ao mesmo tempo, rigoroso,
intuitivo, imaginativo, afetivo. Paulo destaca a necessidade de uma razão dialógica
comunicativa. A teoria do conhecimento de Paulo Freire reconhece que o ato de
conhecer e de pensar estão diretamente ligados à relação com o outro. O conhecimento
precisa de expressão e de comunicação. Não é um ato solitário. Além de ser um ato
histórico, gnosiológico e lógico ele contém um quarto elemento que é a sua dimensão
dialógica.
3ª A noção de ciência aberta às necessidades populares ligada, portanto, ao
trabalho, ao emprego, à pobreza, à fome, à doença etc. Seu método, por isso, não parte
de categorias abstratas, mas dessas necessidades das pessoas, capturadas nas suas
próprias expressões e analisadas por ambos, educador e educando. Nos últimos anos
nos 27 estados do Brasil.
6 In Peter Maclaren and Peter Leonard (ed.), Paulo Freire: a Critical Encounter, London, Routledge,
1993, p. 177.
7 Carlos Alberto Torres, Pedagogia da luta: da pedagogia do oprimido a escola pública popular,
Campinas, Papirus, 1997. Veja-se também, do mesmo autor, Estudios friereanos. Buenos Aires, Libros
del Quirquincho, 1995.
6
Paulo Freire destacou também as necessidades planetárias trazidas ao debate pela
ecologia, como necessidades humanas fundamentais, ligadas, por exemplo, ao
saneamento básico, ao lixo, à água, à poluição do ar. Dia 17 de abril de 1997, poucos
dias antes de falecer, ele falava de ecopedagogia, afirmando que amava a Terra, os
bichos, as plantas. Dizia ele numa entrevista dada no Instituto Paulo Freire naquele dia:
“Quero sem lembrado como alguém que amou a vida, amou os homens, as mulheres, as
plantas, os animais, a Terra”. Um dos seus últimos livros foi À sombra desta mangueira
onde ele fala do prazer de respirar ar puro (uma das necessidades humanas), de entrar
num rio despoluído, de pisar na grama, na areia da praia. E criticava a lógica capitalista
que não valoriza esses prazeres gratuitos e por substituí-los por prazeres vendidos e
comprados, prazeres que dão lucro. O capitalismo tem necessidade de substituir
felicidades gratuitas (necessidades humanas) por felicidades vendidas e compradas, que
são, acima de tudo, necessidades do capital e, muitas vezes, não são necessidades
humanas; são necessidades impostas aos seres humanos, com a finalidade do lucro.
4ª O planejamento comunitário, participativo, a gestão democrática, a
pesquisa participante. Paulo Freire costumava dizer que não nascemos democratas: nos
tornamos democratas. Por isso precisamos de uma educação para e pela democracia.
Sob influência do pensamento de Paulo Freire hoje no Brasil estão se realizando muitas
experiências educacionais de enorme impacto, relacionadas com a chamada
“Constituinte Escolar”, que utiliza os princípios metodológicos freireanos e com o
emblemático “Orçamento Participativo” no quadro do movimento pela Escola Cidadã,
outra expressão também utilizada por ele nos últimos anos.
O reconhecimento de Paulo Freire fora do campo da pedagogia, demonstra que o
seu pensamento é também transdisciplinar e transversal. A pedagogia é
essencialmente uma ciência transversal. Desde seus primeiros escritos considerou a
escola muito mais do que as quatro paredes da sala de aula. Criou o “Círculo de
Cultura”, como expressão dessa nova pedagogia que não se reduzia à noção simplista de
“aula”. Na sociedade do conhecimento de hoje isso é muito mais verdadeiro já que
agora o “espaço escolar” é muito maior do que a escola. Os novos espaços da
formação (mídia, rádio, TV, vídeo, igrejas, sindicatos, empresas, ONGs, espaço
familiar, Internet...) alargaram a noção de escola e de sala de aula. A educação tornou-se
comunitária, virtual, multicultural e ecológica e a escola estendeu-se para a cidade e
para o planeta.
Hoje se pensa em rede, se pesquisa em rede, trabalha-se em rede, sem
hierarquias. A noção de hierarquia (saber-ignorância) é muito cara à escola capitalista.
Ao contrário, Paulo Freire insistia na conectividade, na gestão coletiva do
conhecimento social a ser socializado de forma ascendente. Não se trata mais de ver
apenas a “Cidade Educativa” (Edgar Faure)8 mas de enxergar o planeta como uma
escola permanente.
Abrir a escola para o mundo, como queria Paulo Freire, é uma das condições
para a sua sobrevivência com dignidade, nesse início de milênio. O novo espaço escolar
é o planeta, porque a Terra tornou-se nosso endereço, para todos. O novo paradigma
educativo funda-se na condição planetária da existência humana. A planetaridade é
uma nova categoria que fundamenta o paradigma Terra, isto é, a visão utópica da
Terra como um organismo vivo e em evolução, onde os seres humanos se organizam
como uma única comunidade, compartilhando a mesma morada com outros seres e
coisas.
3. Uma pedagogia anti-neoliberal
8 Edgar Faure and others, Apprendre à Être, Paris, Fayard/UNESCO, 1972.
7
O que mais preocupava Paulo Freire nos últimos anos era o avanço da
globalização capitalista neoliberal. Por que ele atacava tanto o pensamento e a prática
neoliberal? Porque o neoliberalismo é visceralmente contrário ao núcleo central do
pensamento de Paulo Freire que é a utopia. Enquanto o pensamento freireano é utópico
o pensamento neoliberal abomina o sonho. Para Paulo Freire o futuro é possibilidade.
Para o neoliberalismo o futuro é uma fatalidade. O neoliberalismo apresenta-se como
única resposta à realidade atual, desqualificando qualquer outra proposta. Desqualifica
principalmente o Estado, os Sindicatos e os Partidos Políticos. Denuncia a política
fazendo política.
Paulo Freire atacava a ética do mercado sustentada pelo neoliberalismo, porque
ela se baseia na lógica do controle e afirmava uma ética integral do ser humano. No seu
livro Pedagogia da autonomia, ele destaca: “Daí a crítica permanentemente presente em
mim à malvadez neoliberal, ao cinismo de sua ideologia fatalista e a sua recusa
inflexível ao sonho e à utopia. Daí a minha raiva, legítima raiva, que envolve o meu
discurso quando me refiro às injustiças a que são submetidos os esfarrapados do mundo.
Daí o meu nenhum interesse de, não importa que ordem, assumir um ar de observador
imparcial, objetivo, seguro, dos fatos e dos acontecimentos. Em tempo algum pude ser
um observador ‘acinzentadamente’ imparcial, o que, porém, jamais me afastou de uma
posição rigorosamente ética”9.
A educação não pode orientar-se pelo paradigma da empresa que dá ênfase
apenas à eficiência. Este paradigma ignora o ser humano. Para este paradigma, o ser
humano funciona apenas como puro agente econômico, um “fator humano”. O ato
pedagógico é democrático por natureza, o ato empresarial orienta-se pela “lógica do
controle”. O neoliberalismo consegue naturalizar a desigualdade. “É assim mesmo”,
“Não há outra coisa a fazer”, ouve-se dizer. Por isso, Paulo Freire chama nossa atenção
para a necessidade de observarmos o processo de construção da subjetividade
democrática, mostrando, ao contrário, que a desigualdade não é natural. É preciso
aguçar nossa capacidade de estranhamento. Precisamos ter cuidado com a anestesia da
ideologia neoliberal: ela é fatalista, vive de um discurso fatalista. Mas não há nenhuma
realidade senhora dela mesma. O neoliberalismo age como se a globalização atual fosse
uma realidade definitiva e não uma categoria histórica.
A concepção de mundo e a sua teoria sócio-político-educativa nos ajudam não
apenas a entender melhor como funciona o modelo neoliberal, mas nos ajudam a
construir a resposta necessária ao neoliberalismo. Ele defende uma nova modernidade
cuja racionalidade deve estar “molhada de afetividade”. Contra o iluminismo
pedagógico e cultural que acentua apenas a aquisição de conteúdos curriculares, ele
realça a importância da dimensão cultural nos processos de transformação social. A
educação é muito mais do que a instrução. Para ser transformadora - transformar as
condições de opressão - ela deve enraizar-se na cultura dos povos. A pós-modernidade
se caracteriza pelo simulacro e pelo consumo imediato. Ora, a educação é um processo a
longo prazo e precisa combater o imediatismo, o consumismo, se quiser contribuir para
a construção de uma pós-modernidade progressista. A educação, para ser libertadora,
precisa construir entre educadores e educando uma verdadeira consciência histórica. E
isso demanda tempo.
Certos críticos conservadores afirmam que ele não tem uma teoria do
conhecimento porque não estuda as relações entre o sujeito do conhecimento e o objeto.
Ele se interessaria apenas pelo produto. Isso não é verdade: antes de mais nada, o seu
9 Paulo Freire, Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo, Cortez,
1997, p. 15.
8
pensamento funda-se numa explícita teoria antropológica do conhecimento. Outros o
acusam de autoritarismo afirmando que o seu método supõe a transformação da
realidade e nem todos desejam transformá-la. Portanto, seria um método não científico
(porque não aplicável universalmente). Seu método seria autoritário na medida em que
ele obriga a todos a participarem na transformação. É claro que essa crítica ignora que
Paulo Freire não aceita a idéia de uma teoria pura - para ele uma ilusão - mas numa
teoria crítica enraizada numa filosofia social e política. Ele rejeita a idéia da
neutralidade científica - como recusa o academicismo - e argumenta que os
conservadores, sob a capa da neutralidade política de uma teoria pura, escondem a sua
ideologia conservadora.
Paulo Freire deixou um grande legado que hoje atravessa, cruza e rompe
fronteiras. Nesse início de milênio seu pensamento ressurge e se renova em inúmeras
experiências de educação popular, de educação continuada e informal, em escolas
públicas e privadas, em políticas públicas, em diversas áreas do conhecimento, em
diferentes profissões, confrontando-se com diferentes práticas e teorias. É um
pensamento vivo e em evolução. Por isso não se trata de fazer uma leitura exegética do
que ele escreveu. Trata-se de dar continuidade e de reinventar, na prática, as grandes
intuições e motivações político-pedagógicas que orientaram seu pensar militante.
4. O MOVA e a reinvenção da educação popular
Paulo Freire contribuiu para com a democratização do país pela democratização
da escola e das relações inperpessoais e humanas que introduziu nela. Se não conseguiu
ser tão introduzido nas universidades, pode-se dizer, contudo, que ele é a nossa principal
referência entre os educadores populares e nos governos democráticas locais. Vejamos
um exemplo.
Em 1989, Paulo Freire, como Secretário Municipal de Educação de São Paulo,
deu início a um belo movimento de educação de adultos, chamado MOVA-SP
(Movimento de educação de Jovens e de Adultos da Cidade de São Paulo), em parceria
com várias associações e instituições da sociedade civil. O MOVA-SP, herdeiro da
tradição do movimento de educação popular, serviu de referência para outras
experiências e se constituiu num processo muito significativo de formação para todos os
que o promoveram. A avaliação realizada posteriormente mostrou que ele trouxe ganhos
relevantes para a formação dos educadores, dos educandos e dos movimentos sociais e
populares.
O processo de construção foi fundado em valores democráticos que resultou no
aprofundamento de uma nova cultura política para a qual a educação é um instrumento
fundamental. O grande saldo que ficou do MOVA-SP foi o exemplo de parceria entre
Estado e Sociedade Civil e a experiência de articulação dos Movimentos Populares,
constituídos hoje num novo e importante ator social na cidade de São Paulo.
O exemplo de Paulo Freire foi seguido e continua dando frutos em numerosos
municípios, associando poder público, terceiro setor e setor privado. O Instituto Paulo
Freire foi uma das instituições que deu continuidade ao MOVA-SP, com um grupo dos
seus principais dirigentes. É claro que continuamos insistindo que o Estado precisa ser o
principal articulador das políticas públicas de educação e que o ensino fundamental é
um direito constitucional, não devendo, pois, ser transformado em simples serviço a ser
prestado por empresas privadas. Mas insistimos também que o nosso atraso educacional
não será superado sem a união de forças para instituir a educação realmente como
prioridade.
9
Em que base essas parcerias deveriam se feitas? Paulo Freire não impôs
nenhuma condição, nem a sua tão conhecida metodologia. Todavia, na visão de Paulo
Freire essas parcerias deveriam orientar-se pelo paradigma da educação popular do
qual ele foi um dos grande inspiradores. Entre as intuições fundamentais deste
paradigma podemos destacar:
a) a educação como produção e não meramente como transmissão do
conhecimento;
b) a defesa de uma educação para a liberdade, pré-condição da vida
democrática;
c) a recusa do autoritarismo, da manipulação, da ideologização que surge
também ao estabelecer hierarquias rígidas entre o professor que sabe (e por
isso ensina) e o aluno que tem que aprender (e por isso estuda).
5. Continuando e reinventando Freire: o Instituto Paulo Freire
Há onze anos atrás, no dia 12 de abril de 1991, Paulo Freire, numa reunião com
educadores e amigos, em Los Angeles, lançava a idéia da criação do Instituto Paulo
Freire. Seu desejo era encontrar uma forma de reunir pessoas e instituições que,
movidas pela mesma utopia de uma educação como prática da liberdade, pudessem
refletir, trocar experiências, desenvolver práticas pedagógicas nas diferentes áreas do
conhecimento e que contribuíssem para a construção de um mundo com mais justiça
social e solidariedade. Assim surgiu o Instituto Paulo Freire (IPF). Hoje, Paulo Freire já
não está entre nós, ou melhor, está em todos os nós da rede que teceu e o IPF está
presente em mais de 20 países, buscando manter viva a sua luta, continuando e
reinventando Freire.
Um de seus últimos sonhos ao qual o Instituto Paulo Freire deu continuidade, foi
o projeto da Escola Cidadã.
A idéia e o projeto de uma Escola Cidadã nasceram, no Brasil, no final da
década de 80 e início da década de 9010, fortemente enraizados no movimento de
educação popular e comunitária que, na década de 80, se traduziu pela expressão
“escola pública popular”, utilizada como mote na gestão de Paulo Freire na Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo. Designa-se comumente por “Escola Cidadã” uma
certa concepção e uma certa prática da educação “para e pela cidadania”, que, sob
diferentes denominações, são realizadas, em diversas regiões do país, principalmente
em municipalidades onde o poder local foi assumido por partidos do chamado “campo
democrático-popular”.
A maior ambição da Escola Cidadã é contribuir na criação das condições para o
surgimento de uma nova cidadania, como espaço de organização da sociedade para a
defesa de direitos e a conquista de novos direitos. Trata-se de formar para a gestação de
um novo espaço público não-estatal, uma “esfera pública cidadã”, como diz Jürgen
Habermas, que leve a sociedade a ter voz ativa na formulação das políticas públicas,
visando a uma mudança do Estado que temos para um Estado radicalmente
democrático.
Foi Paulo Freire quem melhor definiu uma educação para e pela cidadania
quando, nos Arquivos Paulo Freire, em São Paulo, dia 19 de março de 1997, numa
entrevista à TV Educativa do Rio de Janeiro, falou de sua concepção da “escola
cidadã”: “A Escola Cidadã é aquela que se assume como um centro de direitos e de
10 Moacir Gadotti, Escola cidadã: uma aula sobre a autonomia da escola. São Paulo, Cortez, 1992; José
Eustáquio Romao, Dialética da diferenca: o projeto da escola cidadã frente ao projeto pedagógico
neoliberal. Sao Paulo, Cortez, 2000.
10
deveres. O que a caracteriza é a formação para a cidadania. A Escola Cidadã, então, é a
escola que viabiliza a cidadania de quem está nela e de quem vem a ela. Ela não pode
ser uma escola cidadã em si e para si. Ela é cidadã na medida mesma em que se exercita
na construção da cidadania de quem usa o seu espaço. A Escola Cidadã é uma escola
coerente com a liberdade. É coerente com o seu discurso formador, libertador. É toda
escola que, brigando para ser ela mesma, luta para que os educandos-educadores
também sejam eles mesmos. E como ninguém pode ser só, a Escola Cidadã é uma
escola de comunidade, de companheirismo. É uma escola de produção comum do
saber e da liberdade. É uma escola que vive a experiência tensa da democracia”. Paulo
Freire associava cidadania e autonomia. No seu último livro, ele afirma que “o
respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético e não um favor
que podemos ou não conceder uns aos outros”11.
São inúmeras e profundas as conseqüências dessa concepção da educação em
termos não apenas de gestão, mas em termos de atitudes e métodos e que formam o
novo professor, o novo aluno, o novo sistema, o novo currículo, a nova pedagogia da
educação cidadã.
Nos últimos anos, a concepção de Escola Cidadã foi marcada pela
Ecopedagogia entendendo o novo currículo com base na idéia de sustentabilidade. A
educação para e pela cidadania é também uma educação para uma sociedade
sustentável e para a cidadania planetária. A Escola Cidadã e a Ecopedagogia
sustentam-se no princípio de que todos, desde crianças, temos um direito fundamental
que é o de sonhar, de fazer projetos, de inventar, como pensavam Marx e Freire; todos
temos o direito de decidir sobre nosso destino, também as crianças, como sustentava o
educador polonês Janusz Korczak12.
Não se trata de reduzir a escola e a pedagogia atuais a uma tabula rasa e
construir por cima de suas cinzas a Escola Cidadã ideal e a ecopedagogia. Não se trata
de uma escola e de uma pedagogia “alternativas”, no sentido de que devem ser
construídas separadamente da escola e da pedagogia atuais. Trata-se de, no interior
delas, a partir da escola e da pedagogia que temos, dialeticamente, construir outras
possibilidades, sem aniquilar tudo o que existe. O futuro não é o aniquilamento do
passado, mas a sua superação.
Os problemas atuais, inclusive os problemas ecológicos, são provocados pela
nossa maneira de viver e a nossa maneira de viver é inculcada pela escola, pelo que ela
seleciona ou não seleciona, pelos valores que transmite, pelos currículos, pelos livros
didáticos. Precisamos reorientar a educação a partir do princípio da sustentabilidade,
isto é, retomar nossa educação em sua totalidade. Isso implica uma revisão de currículos
e programas, sistemas educacionais, do papel da escola e dos professores e da
organização do trabalho escolar. A ecopedagogia, tal como vem sendo desenvolvida
pelo Instituto Paulo Freire, implica uma reorientação dos currículos para que
incorporem certos princípios da cultura da paz e da sustentabilidade.
Paulo Freire havia dito no Instituto Paulo Freire que pretendia escrever um livro
sobre Ecopedagogia. Ele já havia estimulado Francisco Gutiérrez a escrever sobre o
tema13. Ele estava escrevendo quando veio a falecer em 1997, deixando suas reflexões
iniciais num pequeno texto que, depois de sua morte, foi publicado num livro
organizado pela viúva Ana Maria Araujo Freire: Pedagogia da indignação. Nesse texto
Paulo Freire escreve: “Urge que assumamos o dever de lutar pelos princípios éticos
11 Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática eucativa. São Paulo, Cortez,
1997, p. 66.
12 Janusz Korczak. Como amar uma criança. Prefácio de Bruno Bettelheim. São Paulo, Paz e Terra, 1986.
13 Francisco Gutiérrez e Cruz Prado, Ecopedagogia e cidadania planetária. São Paulo, Cortez/IPF, 1999.
11
fundamentais como o respeito à vida dos seres humanos, à vida dos outros animais, à
vida dos pássaros, à vida dos rios e das florestas. Não creio na amorosidade entre
mulheres e homens, entre os seres humanos, se não nos tornamos capazes de amar o
mundo. A ecologia ganha uma importância fundamental neste fim de século. Ela tem
que estar presente em qualquer prática educativa de caráter radical, crítico ou libertador
(...). Neste sentido me parece uma contradição lamentável fazer um discurso
progressista, revolucionário e ter uma prática negadora da vida. Prática poluidora do
mar, das águas, dos campos, devastadora das matas. Destruidora das árvores,
ameaçadora dos animais e das aves... De violência contra a vida das árvores, dos rios,
dos peixes, das montanhas, das cidades, das marcas físicas de memórias culturais e
históricas. De violência contra os fracos, os indefesos, contra as minorias ofendidas...”14.
As pedagogias clássicas eram antropocêntricas. A ecopedagogia parte de uma
consciência planetária (gêneros, espécies, reinos, educação formal, informal e nãoformal).
Ampliamos o nosso ponto de vista. Do homem para o planeta, acima de
gêneros, espécies e reinos. De uma visão antropocêntrica para uma consciência
planetária e para uma nova referência ética. A Escola Cidadã, orientando-se por uma
Ecopedagogia ou Pedagogia da Terra15, deve, por isso, ser entendida também como
uma alternativa para a construção de uma sociedade sustentável.
6. O novo contexto brasileiro: “A esperança venceu o medo
Paulo Freire foi um dos fundadores do Partido dos Trabalhadores que chamava
de partido “educador-educando”16. O PT teve um papel muito importante na resistência
contra a ditadura militar e no processo de democratização do Brasil. Paulo nos
lembrava, porém, de que, às vezes, esperamos demais de um partido político e o que
importava era a sua causa, não o partido. O partido é meio. Agregar mais pessoas e
partidos a uma causa: isso é que importa. Apostar na cidadania, formar para a cidadania
e pela cidadania, como propõe o Instituto Paulo Freire, formar as pessoas que irão
cobrar das pessoas eleitas os compromissos, formar o “povo soberano”.
Isso é ainda mais importante no Brasil pois aqui o Estado nasceu antes da
Sociedade. O Estado Brasileiro não chegou a se constituir como nação. Preso nas garras
dos colonizadores e depois, dos seus continuadores, as elites, ele não representa a
vontade da nação. Só se mantém como posse privada e gestor dos interesses dessas
elites. Daí a importância dos partidos, como partidos “educadores-educandos”, no
fortalecimento da comunidade e da sociedade organizada.
É assim que se pode falar numa reforma do Estado, passando de uma
concepção de Estado como “violência organizada, autorizada, institucionalizada” para o
de educador-educando, dialogando com a sociedade e administrando os seus conflitos.
O Estado não pode ser apenas educador, pois ele também, como os partidos, precisa ser
educado pela sociedade que o mantém. Nesse sentido, é um Estado não submetido aos
interesses corporativistas e setoriais, visto não apenas através dos olhos dos servidores
públicos, mas submetido à cidadania. Alternativas existem ao pensamento neoliberal. A
saída está numa teoria (e uma prática) radicalmente democrática do Estado. As recentes
experiências, em nível do poder local no Brasil, vêm dando consistência prática a essa
teoria.
14 Paulo Freire, Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo, UNESP,
2000, pp. 66-7; 132-3.
15 Moacir Gadotti, Pedagogia da Terra. São Paulo, Peirópolis, 2000.
16 Paulo Freire, in Alberto Damasceno (org.), A educação como ato político-partidário, São Paulo,
Cortez, 1988, pp. 16-18.
12
E agora, a América Latina tem uma nova chance de construir o seu sonho
democrático socialista, muitos anos depois da eleição de Aliende, no Chile, no início
dos anos 70. É a eleição de Lula, no Brasil. Dia 1 de janeiro de 2003: um partido
socialista chega ao poder no Brasil. É uma grande virada na história brasileira. O sonho,
a utopia, toma conta de todos. “A esperança venceu o medo”, ouvimos por todo lado.
Um operário foi eleito presidente da República do Brasil. O Brasil queria mudar, e
elegeu Luiz Inácio Lula da Silva, o sonho de toda uma geração e de tantos
companheiros e companheiras que morreram pela democracia e pelas liberdades no
Brasil.
Um projeto alternativo deve começar exatamente pelo que é alternativo na
forma de governar em relação ao projeto anterior. Fernando Henrique governou sem o
povo. Por isso, no último dia, na transmissão do cargo, ele teve que sair do Palácio do
Planalto pela porta do fundo, para não escutar nenhum vaia no último ato do seu
governo. Governou autocraticamente, sem consulta, sem articulação com a sociedade.
Um projeto alternativo deve ser um projeto de escuta, de cuidado.
Lula vai precisar da mobilização da sociedade e das massas. Ele precisará
governar com o apoio na mobilização, sem ser populista, governar com o apoio na
mobilização até para poder propor medidas duras e anti-populares, como as atuais
rerformas.
A alternativa num regime democrático é mais democracia. Como disse muito
bem Antônio Cândido, professor emérito da Universidade de São Paulo, em artigo
publicado no jornal Folha de S. Paulo, dia 28 de outubro de 2002 (p. A-13), um dia
após a eleição de Lula: “essa vitória não é a ‘tomada do poder’ pelo operariado. É fruto
de um movimento mais amplo, no qual todas as classes da sociedade reconheceram
tacitamente o direito que ele tem de formar a seu lado. Estamos num momento de
incorporação, não de predomínio”. Todavia, Lula precisa fazer alianças mantendo o
sonho, a hegemonia, pois, se ele fizer concessões será “amaldiçoado pelos pobres”,
como afirmou Leonardo Boff mais tarde.
Iniciamos a “era” Lula com muita esperança. Seu poder não pode ser
subestimado, mas também não pode ser superestimado. Pessoas não mudam o mundo,
já dizia Marx. É o espírito que transforma o mundo. Se a esperança venceu o medo, é
preciso um novo estilo de fazer política: fazer política com esperança e alegria, um
estilo que se transforme em espírito coletivo.
7. A perspectiva de Whashington versus a perspectiva de Angicos
Paulo Freire apoiou Luís Inácio Lula da Silva em sua primeira candidatura à
Presidência da República no Brasil (1989)17. Seu sonho vinha de muito longe, desde
Angicos (1963). Ele nos fez sonhar porque falava a partir de um ponto de vista que é o
ponto de vista do oprimido, do excluído, a partir do qual podemos pensar um novo
paradigma humanitário, civilizatório, o sonho de um outro mundo possível,
necessário e melhor. No confronto contemporâneo de civilizações, poderíamos opor
hoje, metaforicamente, a perspectiva dominante de Washington à perspectiva de
Angicos. Por que falar da perspectiva de Washington versus a perspectiva de Angicos?
Por que não falar da perspectiva do opressor e do oprimido – como dizia Paulo Freire –
do colonizador e do colonizado, do globalizador e do globalizado?
17 "Meu caro Lula, Gostaria de fazer chegar a você meu abraço fraterno e, com ele, palavras de
companheiro, carregadas de um muito obrigado pela força, pela coragem, pela dedicação com que você
lutou pela democracia e pelos interesses maiores de nossa luta. Valeu a pena viver o tempo que já vivi
para ver um filho do povo enfrentando a mentira, o engodo, a farsa, engajado na reivindicação de nosso
país, "sem medo de ser feliz". Para você e Marisa, o carinho de Nita e meu. Paulo Freire (02/12/89).
13
Não conheço a cidade de Washington. Espero um dia conhecê-la. Deve ser uma
bela cidade, onde milhões de pessoas vivem, trabalham e buscam sentido para suas
vidas. Nada contra ela. Nada contra eles. Falo de Washington como metáfora, símbolo
de um poder, de uma política, de uma visão de mundo, de um ponto de vista. Não se
trata de provocação.
A cidade de Angicos eu conheço. Eu a conheci junto com Paulo Freire em 1993,
ao lado de um grande amigo: Carlos Alberto Torres. Trata-se de uma pequena vila,
situada na região mais pobre do sofrido nordeste brasileiro. Para os freirianos é tão
conhecida quanto Washington, pois foi lá que Paulo Freire fez sua mais importante
experiência do seu método pedagógico. Foi a partir do êxito obtido lá, em 1963, que ele
ficou conhecido no mundo.
Angicos e Washington podem ser tomados hoje como metáforas de um
paradigma civilizatório. Mesmo analisando dialeticamente – unidade e oposição de
contrários – esses dois pontos de vista, há entre eles uma irredutibilidade de fundo,
como existe entre guerra e paz, entre poder militar e poder da utopia, entre
fundamentalismo e diálogo.
Contradições existem em tudo. Por isso existem mudanças. Ao propor essa
reflexão sobre essas duas vias opostas de humanidade, não intencionamos defender
essa irredutibilidade. Ao contrário, buscamos superá-la dialeticamente para que no
“outro mundo possível” não exista tanta fome e tanta pobreza como existem hoje,
sustentadas por guerras e fundamentalismos. A beleza da diversidade não deve ser
confundida com a brutalidade da miséria frente à riqueza.
Estamos diante de uma escolha a fazer entre diálogo e guerra. E Paulo Freire
pode nos ajudar a encontrar um caminho mais seguro. Contra a visão necrófila do
mundo que opõe um fundamentalismo a outro fundamentalismo, que leva à depredação
ambiental, à violência, que suscita e alimenta o terrorismo (político, econômico,
religioso, militar, de Estado...) existe outra visão, uma visão biófila que promove o
diálogo e a solidariedade. Por mais difícil que seja essa via, ela é a única capaz de evitar
a guerra, a barbárie e o extermínio18. O terrorismo não pode nos impedir de pensar com
lucidez.
O mais importante da obra de Paulo Freire não está na sua teoria do
conhecimento ou na sua pedagogia, mas em ter insistido na idéia de que é possível,
urgente e necessário mudar a ordem das coisas. Ele não apenas convenceu muita gente
em muitas partes do mundo, através de suas teorias e práticas, mas, também, despertou
em muitas pessoas a capacidade de sonhar com uma realidade mais humana, menos feia
e mais justa. Mudar o mundo é difícil. Existem muitas injustiças. Contudo, devemos
tentar. Se não tentamos não somos propriamente humanos. Nada de humano existiria
em nós se nós não tentássemos mudar o mundo.
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18 “Dialogar com eles até a exaustão, negociar até o limite intransponível da razoabilidade, talvez leve o
fundamentalista a reconhecer o outro, seu direito de existir e a contribuição que poderá dar para uma
convergência mínima na diversidade”. Leonardo Boff, Fundamentalismo: a globalização e o futuro da
humanidade. Rio de Janeiro, Sextante, 2002, p. 48.
14
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